24/04/2024

STF passa a calcular impacto econômico de processos levados a julgamento

Por: Jéssica Sant'Ana e Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já tomaram 16 decisões
sobre processos com repercussão econômica e social relevante baseados no
apoio da análise econômica feita pelo núcleo de assessores criado
especificamente para esse fim. É uma forma de tentar trazer uma análise
“independente” e mais “crível” aos dados e posições apresentados pelas
partes, e que afetam governo, empresas e pessoas, afirmou em entrevista
exclusiva ao Valor Guilherme Mendes Resende, assessor econômico do
gabinete da presidência da Corte e um dos integrantes desse núcleo.
A área foi criada pelo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, no
segundo semestre do ano passado, para fornecer subsídios aos ministros - são
eles que decidem se o parecer vai ou não influenciar a tomada de decisão. Cabe
ao relator do processo solicitar ou não o apoio da área técnica. A iniciativa ganha
ainda mais força diante do julgamento de uma série de ações recentes com
impacto econômico relevante e com alguns processos com dados totalmente
distintos fornecidos pelas partes.
O caso mais emblemático foi o da “revisão da vida toda” dos aposentados do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em que o governo calculava um
impacto de R$ 480 bilhões em caso de derrota para a União e o Instituto
Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), representando os aposentados,
falava em um impacto de apenas R$ 1,5 bilhão.
Resende contou que o trabalho do Núcleo de Processos Estruturais Complexos
(Nupec) inclui desde calcular o possível impacto das decisões a partir de dados
fornecidos pelas partes até desenvolver metodologias próprias ou adaptar
métodos que já existem para o processo concreto. Em alguns casos, eles
observam que os parâmetros macroeconômicos utilizados pelas partes estão
defasados ou otimistas ou pessimistas demais, e pedem atualização ou eles
mesmo fazem esse ajuste.
O objetivo é oferecer aos ministros do STF cenários e potenciais prós e contras
de decisões do ponto de vista econômico. “É feito um parecer, e não uma visão
nossa se é devido ou não, isso é uma questão de mérito. Mas mostramos se
estamos de acordo com aqueles valores [de impacto] que estão no processo”,
afirmou. As notas técnicas não trazem uma solução, e sim apontam caminhos,
destacou.
Resende avalia que em alguns casos é possível ter uma compatibilização do
direito com o impacto nas contas públicas da decisão, mas há processos em que
pode existir um impacto econômico relevante para a União, porém há um
direito maior a ser defendido. “As decisões aqui não são eminentemente
econômicas. É uma questão de direito, muitas vezes. Mas, mesmo assim, não
impede os ministros de quererem saber quais são esses impactos e tomarem
uma decisão bem informada”, explicou.
O primeiro processo analisado pelo Nupec foi o da taxa de correção das contas
do FGTS. O ministro Luís Roberto Barroso, relator, considerou os cenários
levantados pelo núcleo para alterar seu voto - propôs a correção pela poupança,
mas colocou um limite temporal (modulação) com a regra valendo apenas a
partir do ano de 2025 e para novos depósitos. Um risco para a União nesse caso
era ter que corrigir o passado de todas as contas de FGTS. O processo ainda
está em tramitação.
No caso do teto de precatórios, o núcleo reuniu as propostas que foram
apresentadas por acadêmicos e apresentou os prós e contras da ideia do
governo, que era classificar os encargos dos precatórios como dívida financeira
(fora do cômputo da meta de resultado primário) e deixar somente o valor
original como despesa primária, o que, conforme mostrou Resende na nota
técnica apresentada aos ministros, contraria padrões internacionais e poderia
criar um “incentivo perverso” na gestão fiscal do Estado, empurrando o
governo a jogar despesas para precatórios, já que parte da conta não afetaria a
meta.
“A proposta do governo seria uma solução que, talvez, trouxesse um alívio para
as contas do governo. Mas o que a gente fez? Analisou essa proposta e viu
soluções alternativas para mostrar para os ministros”, contou. “No Supremo,
são vários os fatores que vão ter que estar por trás da decisão, não só os
econômicos, há questões sociais, culturais, segurança jurídica, ou seja, são vários
fatores que vão ter que ser levados em conta na decisão. O econômico é mais
um nível de informação para tomar a decisão.”
Um processo mais recente analisado pelo Nupec foi um mandado de injunção
em que a Defensoria Pública da União pediu em nome de um morador em
situação de rua auxílio-moradia de R$ 500. O núcleo adaptou estudos existentes
sobre o tema para estimar o impacto financeiro da concessão de moradia a
pessoas economicamente vulnerabilizadas. Também apontou que há políticas
alternativas dos governos federal e estaduais para o déficit habitacional.
O núcleo, além de atuar nos casos concretos, também pretende fazer outros
estudos, como para mostrar o impacto que as decisões do STF têm na
sociedade. “Muitos falam do custo do Judiciário, mas também pouco se fala dos
benefícios. Hoje, não se sabe codificar esse benefício que o STF gera”, disse.
“Muitas vezes, é interessante olhar para casos passados e ver qual foi o impacto
daquela decisão anterior”, completou.
Um acordo de cooperação foi fechado com o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) para aproveitar a expertise do órgão antitruste nesse
caso de mensuração global do impacto de um órgão público. Um grupo de
trabalho será formado definir uma agenda mais específica de cooperação, que
envolverá outras funções, como capacitação de servidores.
Hoje, o Nupec é composto por quatro pessoas, mas há o desejo de que seja
expandido - uma possibilidade seria a contratação de servidores externos, como
o economista fez na sua equipe de pesquisas quando estava no Cade. Resende
está no Supremo desde setembro do ano passado, mas é pesquisador do Ipea
e, entre 2016 e 2023, foi economista-chefe do Cade.
A equipe vem conseguindo dar vazão aos pedidos que chegam, mas a
expectativa é que as solicitações aumentem conforme o núcleo se torne mais
conhecido pelos ministros. “O ministro pede uma vez e, normalmente, logo em
seguida já pede de novo. Vemos que a demanda está aumentando”, afirmou.